maio 08, 2012

Em Maceió, do Carrapato ao Manifesto Sururu

“Manifesto Sururu” do sociólogo alagoano Edson Bezerra diz:
     “...O Manifesto Sururu quer muito pouco. Quem sabe um pouco mais do que exercitar um certo olhar: um olhar atento por sobre as coisas alagoanas...O manifesto sururu também fala da fome. Não da fome comum, mas da fome de devorar as Alagoas... Novas rotas. Rotas alagoanas: de canais e lagoas, sobretudo. O manifesto sururu não está sozinho... está atento para os batuques noturno dos terreiros periféricos e fora de rota e também dos milhares de capoeiras espalhados. O manifesto sururu se alegra com a folia dos meninos de rua, com os guerreiros e com as tradições alimentadas pelos povos periféricos...” . 
Sítio da família herdado do português Rutilio Taveiros, meu bisavô 
Brincadeira de infância no porto das canoas de águas
límpidas, braço do Riacho Carrapatinho, hoje poluído

Hora de despinicar o gordo sururu
com tio Fernando


Casa original de Rutilio Taveiros

Quando ouvi o texto pela primeira vez me arrepiei. Aquilo tinha haver com minha terra, meu pensamento até minha infância! Muitos se identificarão, pensei e passei do devaneio à visitação. Aí, saiu:
Retornando no tempo e ao lugarejo de minha infância, periferia de Maceió, de nome antigo Carrapato, o local de famílias simples e de minorias afrodescendentes e indígenas se perdeu no tempo às margens da Lagoa Mundaú. Contato direto com a natureza, o então Carrapato era local de beleza e festividades. Lá não se produzia nada, só a paz que a natureza transmite, a beleza da fauna, da flora e das festividades locais! Hoje é área de proteção ambiental que abastece as torneiras d’água de Maceió, a APA do Catolé.

A estação do trem do Rio Novo

Igreja de N. Senhora da Conceição de 1930
em frente da estação
O Carrapato, vilarejo pesqueiro lagunar distante 26 km de Maceió, foi, certamente, região de ocupação quilombola dos negros fugitivos dos engenhos de Maceió e Marechal Deodoro (cidade histórica) para o território livre dos quilombos na Serra da Barriga em União dos Palmares - no chamado território da “Civilização do Açúcar”. Manifestações locais de cultura popular e de tradições afro confirmam.

Local rico em folguedos alagoanos (hoje sem representação oficial expressiva por falta de recursos e empreendedorismo) e resquícios da nossa história. Local de cultura e culinária de origens africana e indígena, da pesca, do molusco sururu, do peixe e demais riquezas de nossas lagoas.

Se borda e se aprende o filé na escola

Região de paisagens bucólicas, vasto coqueiral e Mata Atlântica preservada. Chegava-se lá por trem ou canoa e posteriormente pela rodagem que o ligava aos antigos bairros maceioenses, que em tempo próspero da fábrica de algodão “Carmen” absolveu a mão-de-obra local, hoje fechada. O Carrapato era um povoado de fartura que fazia da Lagoa Mundaú sua vida.
A retirada do sururu na Lagoa Mundaú é meio de vida
dos moradores do Rio Novo



O sururu é riquíssimo em ferro e minerais e muito saudável ...
se não tiver sido retirado de águas poluídas
A infância tinha histórias de casa de paredes largas com “botija” de moedas de ouro e talheres portugueses; de assombrações da Mata Atlântica, dos mitos folclóricos, como o saci, a mula-sem-cabeça, o lobisomem; de estórias de pescador; de bolos de massa puba e tapiocas, de quintais com muita fruta-pão, pitomba, jaca, coco, mangaba, carambola, jambo, caju e macaxeira; do cheiro da fumaça dos fogareiros de casca de coco para espantar os mosquitos; de apitos e apostas de corrida com o trem que passava na porta de casa; de visitas proibidas aos terreiros de candomblé para ver a “pomba gira voar” (que nunca aparecia); de boiadas entrando terreiro adentro; de estaleiros de canoas feitos sob encomenda; de banhos e passeios de canoa no braço do riacho Carrapatinho e de reuniões comunitárias com cantorias para se “despinicar” o sururu que chegava aos latões ainda na lama. O sururu é riquíssimo em minerais e ferro, e os bebês e crianças rechonchudas do Carrapato, tinham do mingau feito no caldo do sururu, sua maior refeição. A capotada do sururu, reunia todos sempre com muito festejo. Depois tinha quebra-pote, pau-de-sebo, corrida-de-saco e fita de São Gonçalo. Eventualmente, após a chegada da energia elétrica, na Praça Leonildo Cardoso da Escola Pedro Café, com televisão comunitária, assistia-se a um bom filme.
A turma do  bordado alagoano, o "filé"


Às margens da Lagoa Mundaú



A capoeira é incentivada

Praparando para o "Maculelê"
Hoje, a despeito das famílias antigas do lugar, novos moradores e sua gente simples, esse bairro ainda desprovido de boas políticas públicas, de educação ambiental e de geração de emprego e renda é tratado como baixa periferia, zona de exclusão social, de desmatamento da mata ciliar do Riacho Carrapatinho, de questões de assoreamento e poluição da Lagoa Mundaú e do nosso sururu, de lixão a céu aberto e de violência nos seus conjuntos populares. Contraditoriamente, na área de proteção ambiental, e de grupos folclóricos autênticos (guerreiro, baianas, coco de roda, pastoril e grupos de capoeira e maculelê), a presença do poder político só trouxe pequenas melhorias e um frágil e desordenado crescimento econômico para a região.
Rua do Cravo como antigamente

As famílias de ontem assumiram
a associação do morados

Todos participam da limpeza da lama
do sururu no porto das canoas

A mesma velha e boa ponte de ferro do trem


O encontro emocionado com Lia

Lia, a professora aposentada que mantem seu Cantinho da Leitura

Os exemplos para os jovens de hoje:
Toinho, Lia e Moges

A Escola local

Mas, àquelas famílias com raízes da “senzala” e costumes da “casa-grande” continuam habitando a região e merecendo acreditar que os valores de sua identidade étnica cultural, a beleza cênica e a abundância de alimentos são seus direitos de cidadão local. 
Com duas escolas municipais, um mini posto de saúde, delegacia desativada e filhos de antigos mestres de folguedos – Mestra Virgínia e Mestre Murilo Arão, o potencial natural e cultural do agora bairro do Rio Novo precisa ser valorizado e entregue aos seus habitantes com ações de cidadania como a inclusão digital, resgate da cultura popular, educação ambiental, esportes e da valorização da identidade cultural. Notadamente através da Associação Comunitária dos Moradores e Amigos do Rio, dos habitantes do alto da Igreja de N S da Conceição (1930) na Rua do Cravo (bucólico até no nome!) entre a Estação de Trem do Rio Novo e a Escola Pedro Café. O novo Rio Novo recebe inclusive o trem VLT mas não tem garantido os quatro pilares da sustentabilidade há anos: crescimento econômico, financeiro e social!
As fotos documentam o lado pouco valorizado por gestores públicos no Rio Novo. E voltando ao devaneio, procuramos investidores sociais para projeto de incentivo ao crescimento econômico e à valorização da identidade cultural do lugarejo.


O caldo de cana de ontem e de hoje